4 de jul. de 2008

ENTREVISTA COM PIERPAOLO BOTTINI



Pierpaolo Cruz Bottini
É professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP); Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP. É Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e Coordenador regional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Foi Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça nos anos de 2005 a 2007.




1. A corrupção não é um infortúnio exclusivo do Brasil. Existe em qualquer parte do mundo. No caso do Brasil, o que causa perplexidade é a impunidade. Por que ela é tão grande em nosso país ?

A impunidade decorre de diversos fatores. Em primeiro lugar, da falta de mecanismos de transparência de gestão e de controle. Apesar de notáveis avanços, especialmente no âmbito federal (como a divulgação pela internet de todos os gastos do Governo), ainda há muito espaço para o desenvolvimento de políticas de acompanhamento das atividades dos poderes públicos. Em segundo lugar, uma vez apontado um ato de corrupção, os mecanismos de processo e julgamento deste ato são muito lentos e complexos. A morosidade do processo penal no país é grande e garante a prescrição de muitos casos. Nesse sentido, acredito que uma reforma no Código de Processo Penal, que está em andamento no Congresso Nacional, seria muito bem vinda.


2. Sabemos que justiça tardia não é justiça. Por que – diferentemente de outras áreas – a justiça não se moderniza ?

Dos poderes da República, talvez o Judiciário seja aquele com maior índice de modernização. Encontramos inúmeras experiências bem sucedidas de informatização no Judiciário. O problema é que estas experiências não são ainda suficientes para fazer frente ao numero de demandas na Justiça, cada dia maior. O Conselho Nacional de Justiça vem desenvolvendo um trabalho para coordenar os programas de informatização em todo o país, para racionalizar as atividades.
No entanto, outras soluções também devem ser apontadas para maior celeridade nos julgamentos. Além da informatização, é importante que sejam desenvolvidos meios alternativos de solução de conflitos (mediação, conciliação), para que os litígios sejam resolvidos sem necessidade de intervenção de um juiz. Existem experiências relevantes e interessantes nesse sentido em todo o pais, indicando que uma política de promoção destes instrumentos pode contribuir para a celeridade da solução de demandas.


3. O governo Lula criou a Secretaria de Reforma do Judiciário, na qual o senhor atuou. Houve avanços ? Quais ?

A criação da Secretaria reflete, na verdade, uma preocupação de toda a sociedade com a atual crise do Judiciário. As discussões sobre os problemas da Justiça deixaram de ser realizadas apenas por juizes, advogados e promotores. Hoje, a sociedade civil se apropriou deste debate, porque percebeu que o desenvolvimento econômico e social do país dependem, em parte, de um sistema judicial racional, eficiente, acessível e democrático. Nesse sentido, o Poder Executivo também entendeu que deveria participar da reflexão sobre as formas de aprimorar os serviços da Justiça, e criou a Secretaria.
Nos últimos anos, alguns avanços notáveis podem ser indicados. A aprovação de uma grande reforma constitucional em 2004 criou o Conselho Nacional de Justiça, órgão de planejamento nacional das atividades do Judiciário, e conferiu autonomia às Defensorias Públicas, fortalecendo este importante órgão responsável pelo acesso à Justiça no pais. Ademais, foram aprovadas doze leis que modificam o processo das demandas na Justiça, racionalizando os trabalhos e tornando a prestação judicial mais eficaz e rápida.


4. Em nosso país há uma acepção generalizada de que apenas vão para a cadeia integrantes dos grupos sociais caracterizados pelos "3 Ps" (pretos, pobres e prostitutas). Por que no Brasil, rico e poderoso não vai para a cadeia ?

Há um corte social na população carcerária, e este dado pode ser verificado em qualquer estudo do gênero. A moderna criminologia entende que o direito penal, muitas vezes, funciona como um instrumento de segregação social e racial. Este fato é muito grave, e demonstra a desigualdade na aplicação das normas e no controle de criminalidade no Brasil. Acredito que o desenvolvimento e o fortalecimento das Defensorias Públicas pode reduzir esta realidade, mas não solucionará o problema. A solução, na verdade, não se limita ao campo jurídico, mas exige que enfrentemos, no campo político, esta segregação racial, desenvolvendo a consciência critica da população e exigindo dos agentes públicos ousadia no desenvolvimento de políticas que superem tal situação.

Nenhum comentário: